quinta-feira, 23 de julho de 2009

As Irmãs Fox - Pancadas no Espiritualismo

As Irmãs Fox - Pancadas no Espiritualismo

Katherine e Margaret FoxO evento que inaugurou o espiritualismo moderno, ou seja, a crença moderna na existência e comunicação com espíritos foi, ao que tudo indica, uma grande fraude: a fraude das irmãs Fox. O espiritualismo moderno por sua vez daria origem ao chamado espiritismo, 'codificado' por "Allan Kardec" (ou H.L. Rivail).

A Lenda

Em 11 de dezembro de 1847 o pai, membro da Igreja Metodista, a mãe e duas das filhas mais novas da família Fox mudaram-se para uma casa em Hydesville, em Nova Iorque. A casa já seria tida como mal-assombrada devido aos estranhos barulhos ouvidos e os inquilinos anteriores, a família Weekman, teriam saído justamente por causa dos incômodos barulhos.

Pouco tempo depois que os Fox se estabeleceram os barulhos começaram a incomodá-los, até que em 31 de março de 1848 atingiram um auge quando a filha mais nova, Katherine, pediu que o demônio causador dos barulhos repetisse suas batidas. Com a resposta começava o espiritualismo moderno. Logo descobriria-se que o demônio era na verdade o espírito do mascate Charles B. Rosna, que havia sido assassinado e enterrado no porão da casa quatro anos antes pelos antigos moradores, o sr. e a sra. Bell. Escavações falharam em encontrar o corpo, embora cabelo e dentes tenham sido encontrados. Ainda mais, uma ex-empregada do casal Bell, Lucretia Pulver, confirmou a história.

Os fenômenos de comunicação com espíritos atraíram multidões e logo ficou claro que Margaret e Katherine Fox, as duas irmãs mais novas, eram médiuns. Onde quer que elas fossem, e mesmo que estivessem separadas, os espíritos se comunicavam. Outros médiuns não tardariam em surgir e o movimento espiritualista deixaria os EUA em polvorosa, envolvendo figuras proeminentes, de advogados a cientistas.

Comissões de descrentes tentaram desmascarar as irmãs Fox, sem sucesso. De fato, muitos dos mais ardorosos defensores da autenticidade do fenômeno eram originalmente descrentes de todo o assunto, como o membro da Suprema Corte de NY, John Edmonds.

As irmãs Fox fizeram turnês mediúnicas, mas nunca estiveram envolvidas diretamente na parte intelectual do movimento espiritualista. Suas vidas não foram muito felizes, e em 1888 Margaret e Katherine Fox, pobres e alcoólatras, publicariam confissões de que tudo não passara de truques: o espiritualismo moderno estaria baseado em um evento fraudulento.

Contudo, tais confissões continham erros factuais claros, e um ano depois elas ainda voltariam atrás em sua confissão. As confissões teriam sido feitas apenas em troca de dinheiro, promovidas por membros da Igreja e devido a conflitos com a irmã mais velha Leah. O dano porém já estava feito. Quatro anos depois Katherine morreria de alcoolismo e um ano depois Margaret também.

Em 1904 uma grande reviravolta aconteceria no caso das irmãs Fox: uma parede da adega de sua antiga casa teria ruído e seria encontrado um esqueleto humano junto de uma caixa de mascate. A notícia foi publicada no Boston Journal, e isto passou a ser visto como comprovação das alegações originais das irmãs Fox. Quando tudo parecia nebuloso e infame, a história voltava a seu começo e o velho mascate assassinado em Hydesville voltava à tona.

Será mesmo?

Casas Mal-Assombradas e Histórias Mal-Contadas

Qualquer um que leia diversas fontes sobre o evento em Hydesville descobrirá que duas fontes diferentes dificilmente concordam em todos os detalhes sobre o que ocorreu. É possível identificar facilmente de omissões involuntárias à aceitação ingênua de anedotas. Por exemplo, devemos acreditar na alegação de que a senhora Fox ficou com os cabelos brancos em apenas uma semana devido aos acontecimentos em Hydesville?

Também é possível notar como fontes céticas costumam ser sucintas, centrando-se na confissão de 1888 sobre os estalos das juntas dos pés. Fontes crédulas atentam para o contexto em que tais confissões foram feitas (e desfeitas...), mas por sua vez omitem diversos detalhes que mostram o contexto mais amplo em que o evento ocorreu.

O terreno para o espiritualismo não só já estava preparado como Hydesville era um dos focos desta origem: anos antes das pancadas das irmãs Fox, Emanuel Swedenborg e Andrew Jackson Davis já haviam publicado canalizações de espíritos e diversos de seus adeptos moravam na região.

Isto é citado por fontes espiritualistas como explicação para o evento ter ocorrido em Hydesville -- o local era receptivo e apropriado espiritualmente. Porém uma explicação muito mais simples e talvez mais satisfatória é que as idéias espiritualistas já estavam presentes e que foram gradualmente impostas às brincadeiras das irmãs Fox. Neste processo, o envolvimento da irmã mais velha Ann Leah Fox (que era em torno de vinte anos mais velha que as garotas) bem como o de 'padrinhos' como Isaac Post parece bem evidente.

Todo o contexto histórico para a aceitação e disseminação de crenças espiritualistas é tema para diversas teses sociológicas. A forma como as pancadas espirituais foram chamadas de 'telegrafia espiritual' não é surpresa: o telégrafo fez sua aparição poucos anos antes, e a segunda metade do século XIX era um ambiente de contínuas mudanças.

Dentre as mudanças daquela época, é notável como o espiritualismo foi uma das primeiras formas pelas quais as mulheres ocuparam posições de destaque. Médiuns eram quase sempre mulheres, e uma das primeiras mulheres a se tornar uma grande celebridade nos EUA foi a médium Cora Hatch.

O mascate assassinado

O indício mais forte a favor da idéia de que as irmãs Fox conseguiam se comunicar com espíritos seria sua alegação e posterior confirmação de que existia o corpo de um mascate enterrado no porão. Uma olhada mais atenta revela algumas inconsistências.

Lucretia Pulver e mesmo sua mãe teriam confirmado a história do mascate assassinado. Ela teria se lembrado do mascate e de acontecimentos estranhos incriminando seu ex-patrão, o sr. Bell. Mas o que é muito curioso: até hoje espiritualistas/espíritas atentam que o nome 'Charles B. Rosna' (ou Rosma) pode não ser o nome verdadeiro do mascate. Contudo, Lucretia Pulver deveria conhecer pelo menos o nome ou o sobrenome do mascate. Dada a riqueza de detalhes de suas lembranças incriminando o sr. Bell, é muito curioso que o verdadeiro nome do mascate seja até hoje uma dúvida.

Mais do que isso, o espírito teria contado que teria uma esposa e vários filhos. Dada a ampla divulgação de sua história, como a família do mascate não veio à tona? Aliás, se a história é verdadeira descendentes deste já famoso mascate devem estar vivos em algum lugar nos EUA e devem poder ser encontrados.

O encontro de um esqueleto em 1904 confirmando a história parece conveniente demais para ser verdade. A caixa supostamente encontrada junto ao esqueleto é hoje uma relíquia espiritualista preservada. Embora o encontro do esqueleto tenha sido noticiado no Boston Journal, pode-se notar como o autor da nota deste jornal não-espiritualista foi muito espiritualista, por assim dizer:

Rochester, NY, 22 Nov 1904: O esqueleto de um homem que se supõe ter causado pancadas primeiramente ouvidas pelas irmãs Fox em 1848 foi encontrado nas paredes da casa ocupada por elas, e as exime da única sombra de dúvida relativa à sua sinceridade na descoberta da comunicação de espíritos. (...)

À época do encontro do esqueleto todas as irmãs Fox já haviam morrido. Dadas as péssimas testemunhas em que haviam se tornado, tudo isto é muito conveniente. Pode parecer cínico, qualquer pessoa deve questionar se o esqueleto não foi colocado lá para corroborar a origem do espiritualismo.

E, afinal, mesmo que um mascate tenha realmente sido assassinado e enterrado na casa, é possível que as irmãs tenham tido conhecimento do fato por outros meios que não através de comunicação com espíritos. É também possível que esta informação não tenha sido fornecida pelas garotas, mas sim gradualmente atribuída a elas pela comunidade ou mesmo que elas tenham sido induzidas a fornecer tal informação por pessoas que conhecessem o fato. Estas hipóteses são improváveis uma vez que a própria veracidade deste assassinato é duvidosa, porém são certamente explicações plausíveis que muitos crédulos descartam sem evidências suficientes.

As Pancadas

Ninguém que leia toda a história das irmãs Fox duvidará que elas eventualmente fraudaram suas supostas comunicações. Tais comunicações que começaram com um simples mascate assassinado logo envolveram personalidades mais importantes, como Benjamin Franklin. Suas comunicações também não se limitaram a pancadas, mas também incluíam canalizações e escrita inversa automática, entre outros truques comuns de médiuns. Katherine, que segundo a confissão de Margaret foi quem primeiro descobriu a estalar os dedos para produzir as pancadas, continuou suas performances mediúnicas até o fim da vida e sempre foi a médium mais destacada entre as duas irmãs.

Resta pouca dúvida que Margaret Fox também conseguia produzir estalos altos usando as juntas do pé. Em 21 de outubro de 1888 na Academia de Música de Nova Iorque, frente a uma platéia de duas mil pessoas, ela produziu estalos audíveis que foram conferidos por médicos.

Conclusão

As irmãs Fox não conseguiram produzir nenhuma evidência conclusiva de que se comunicavam com espíritos, apesar de sua alegada comunicação extensa com eles. Embora o suposto mascate assassinado tenha sido encontrado, mesmo que isso fosse verdade (o que não parece ser o caso), não seria evidência suficiente para algo tão importante quanto a existência de vida após a morte, e mais, a capacidade de comunicação com tais espíritos. As irmãs poderiam ter sabido do caso de muitas outras formas que não através de espíritos.

O que é auto-evidente é que a certa altura de suas vidas as irmãs Fox podiam e forjavam comunicações com espíritos. Espíritas/espiritualistas estão preparados para atacar suas confissões escritas, entretanto as demonstrações públicas de sua capacidade de produzir estalos com os pés são um fato freqüentemente esquecido muito mais relevante. Seu uso de truques mediúnicos comuns amplamente desmascarados também é um tanto esquecido.

Se é claro que as irmãs eventualmente fraudaram suas comunicações, àqueles de mente bem aberta deve restar uma dúvida: será que algum dia as irmãs realmente se comunicaram com algum espírito?

Uma vez que a história em torno do primeiro espírito com que teriam se comunicado está repleta de contradições, além de que depois de iniciadas as comunicações elas acompanharam as irmãs onde quer que fossem e, finalmente, como suas comunicações falharam em deixar provas definitivas tudo indica que desde o início tudo foi uma grande fraude.

Entre as primeiras comunicações de pancadas por alfabeto das irmãs, estavam predições de que uma nova era estava começando. Todo o movimento espiritualista deveu seu grande sucesso a este prospecto de comprovação científica ampla e definitiva de seus preceitos que fariam com que em breve toda população mundial se tornasse espiritualista. A não-ocorrência desta comprovação definitiva levou o espiritualismo a uma gradual decadência a despeito de sua enorme aceitação inicial na segunda metade do século XIX.

Como Ronaldo Cordeiro notou em um debate sobre a vida após a morte:

a história da ciência, como a define Robert T. Carroll, é "entre outras coisas, a história da teorização, testes, discussões, refinamentos, rejeições, substituições, novas teorizações, novos testes, etc.". O monge austríaco Gregor Mendel, considerado o pai da genética, publicou seu famoso trabalho com ervilhas em 1865. Em 1882, foram descobertos os cromossomos. A associação do DNA com a hereditariedade em 1944, e a estrutura do DNA em 1953. Em 1972, foi produzida a primeira molécula de DNA recombinante. A técnica do PCR veio em 1985. Recentemente, em 2000 e 2001 vimos a publicação dos primeiros resultados do projeto genoma. História semelhante aconteceu e acontece ainda com a neurologia e ciência cognitiva. A teoria espiritual, por outro lado, parece ter parado no tempo.

A Confissão de Margaret Fox

Minha irmã Katie foi a primeira a descobrir que por esfregar os dedos podia produzir certo ruído com as juntas e que o mesmo efeito podia ser produzido com os artelhos. Descobrindo que podíamos criar ruídos com nossos pés - primeiro com um pé, depois com ambos - praticamos até poder fazer isso com facilidade quando a sala estava às escuras. Ninguém suspeitava de que fosse um truque nosso pois éramos crianças ainda tão novas. . . . todos os vizinhos julgavam que havia algo, e desejaram descobrir do que se tratava. Estavam convencidos de que alguém havia sido assassinado na casa. Perguntaram-nos a respeito, e praticávamos as pancadas, sendo uma para "sim", três para "não", como passamos fazer daí por diante. Nada sabíamos sobre espiritismo então. O assassinato, concluíram, devia ter sido cometido na casa. Finalmente, encontraram um homem chamado Bell e disseram que o pobre inocente havia cometido um assassinato na casa, e que aqueles sons procediam dos espíritos das pessoas assassinadas. O pobre Bell passou a ser evitado e visto como assassino por toda a comunidade. No que tange a espíritos, nem eu nem minha irmã pensávamos a respeito disso. . . . Tenho visto tanto engano danoso que estou disposta a prestar assistência o quanto puder e positivamente declarar que o espiritismo é uma fraude da pior descrição. Faço isso perante Deus, e minha idéia é denunciá-lo. . . . Estou convicta de que esta declaração, partindo solenemente de mim, a primeira e mais bem sucedida nesse engano, romperá a força do rápido crescimento do espiritismo e comprovará ser tudo uma fraude, hipocrisia e engano". New York World Newspaper, 21 de outubro de 1888.




Nenhum comentário:

Postar um comentário